terça-feira, maio 30, 2006

O Ramo de Flores

Há gestos que ficam gravados nas gavetas mais inacessíveis do nosso querer, que têm sobre nós o efeito de gotas de água sobre uma folha verde numa tarde quente de verão.
Era a hora do recolher, era um tempo em que a solidão se torna uma necessidade, a hora em que a luta tem um carácter urgente. Deitada sobre aquela cama de lençóis ásperos e amarrotados com uma cor mais ou menos pardacenta mas de uma limpeza acéptica, recuperava. Na ombreira da porta daquele hospital tão austero, de onde tinha sido arrancada toda a beleza, sobrando, no entanto, a grandeza dos que lutam minuto a minuto ao nosso lado como se deles fosse a vida, surgiu o mais bonito do ramos de flores. Misturado com o exotismo do ananás anão, a simplicidade das margaridas, a beleza do verde e a originalidade do enlace dos troncos. Os olhos, cansados de olhar o infinito dos dias por conhecer abriram-se de espanto e as mãos trémulas e sôfregas da ajuda que não ousavam pedir, acariciaram o laço que o envolvia.
Gestos guardados nas dobras das mais intensas dores e que agora surgem como alimento para os dias que foram roubados à morte.
Gestos que quebraram a monotonia da solidão de quem luta pela vida, sem alaridos, sem gritos, sem gestos obscenos de exposição mas com veemência.
Gestos que só alguns sabem oferecer, gestos que só de alguns ousamos receber.
Lembras-te?

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