domingo, junho 02, 2013

Saudade...

Saudade!, gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho,
Que me estás repassando o íntimo peito
Com dor que os seios d'alma dilacera,
— Mas dor que tem prazeres — Saudade!
Misterioso nume, que aviventas
Corações que estalaram, e gotejam
Não já sangue de vida, mas delgado
Soro de estanques lágrimas — Saudade!
Mavioso nome que tão meigo soas
Nos lusitanos lábios, não sabido
Das orgulhosas bocas dos Sicambros
Destas alheias terras. — Oh Saudade!
Mágico nume que transportas a alma
Do amigo ausente ao solitário amigo,
Do vago amante à amada inconsolável,
E até ao triste, ao infeliz proscrito
— Dos entes o misérrimo na Terra —
Ao regaço da pátria em sonhos levas,
— Sonhos que são mais doces do que amargo,
Cruel é o despertar! — Celeste nume,
Se já teus dons cantei e os teus rigores
Em sentidas endechas, se piedoso
Em teus altares húmidos de pranto
Depus o coração que inda arquejava
Quando o arranquei do peito malsofrido
À foz do Tejo — ao Tejo, ó deusa, ao Tejo
Me leva o pensamento que esvoaça
Tímido e acobardado entre os olmedos
Que as pobres águas deste Sena regam,
Do outrora ovante Sena. Vem, no carro
Que pardas rolas gemedoras tiram,
A alma buscar-me que por ti suspira.

Almeida Garrett "Camões"

2 comentários:

zef disse...

Li Garrett e estou a ouvir Chopin.
Acabou.
Boa noite, Alece.
Um abraço

alecerosana disse...

Este é um poema que me acompanha desde a adolescência, quando tomei contacto com a poesia de Almeida Garrett. Chopin é também um dos meus preferidos.
Grata pela presença! Um abraço.